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ICMS: As polêmicas  relacionadas ao benefício da redução da alíquota e da base de cálculo para máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e agricolas - Antonio Carlos Valim de Camargo

Introdução

Neste trabalho comentaremos alguns dos problemas  que envolvem, de um lado, a  sistemática da alíquota reduzida, regida pelo Artigo 54, V do RICMS/SP e Resolução SF 04/98 e, de  outro lado, a da redução da base de cálculo, disciplinada pelo artigo 12 do Anexo II do RICMS/SP e Convênio ICMS 52/91.

Tudo começou com a aprovação, pelo CONFAZ, do Convênio 52/91, 26/09/91 e alterações posteriores,  concedendo  redução da base de cálculo nas operações com equipamentos industriais e implementos agrícolas, arrolados, respectivamente nos Anexos I e II daquele convênio, de tal forma que a carga tributária fosse equivalente aos percentuais ali apontados.

O Convênio ICMS 52/91, de 26 de setembro de 1991 foi introduzido no RICMS/SP então vigente por meio do Decreto nº 34.094/91, que  acrescentou  o item 8 na Tabela II do Anexo II, para regulamentar a aplicação do benefício da redução da base de cálculo. 

Em janeiro de 1998 o Fisco paulista, buscando adequar à realidade de então o benefício da redução de alíquota (12%) para operações internas, baixou a Resolução SF- 04/98, de 16-01-98, trazendo listas de máquinas, aparelhos e equipamentos industriais, implementos e tratores agrícolas e produtos da indústria de processamento eletrônico de dados a que se referia o item 7 do § 1° do artigo 54 do RICMS/91.

No atual RICMS/SP, aprovado pelo Decreto 45.490/00, essas matérias foram absorvidas respectivamente pelo Artigo 12 do Anexo II e Artigo 54, inciso V,  coadjuvados pelas listas do Convênio ICMS 52/91 e da Resolução SF- 04/98.

Procuraremos sintetizar, nestes apontamentos, três situações polêmicas   geradas na aplicação dos referidos benefícios.

1. O Conceito de "Operações Internas"

Considerando o emprego dessa expressão em um sem número de dispositivos da legislação do ICMS, sua incorreta conceituação converteu-se em  problema bastante comum . A polêmica tem como causa o despreparo do leitor quanto ao alcance da expressão "operações", que compreendem tanto operações internas como interestaduais. No caso em análise, todas elas estão presentes no Convênio ICMS 52/91, conforme expressa o Artigo 12 do Anexo II do RICMS/SP.

A mesma perplexidade ocorre na aplicação do  benefício da redução de alíquota do artigo 54, V,  que se estende exclusivamente às operações internas.   

O inadmissível se dá quando a própria Fiscalização estadual  incorre no erro básico de entender, por exemplo, que a importação não se enquadra no conceito da expressão "operação interna", apontada pela legislação, inclusive em dispositivos isentivos. Para desespero dos despachantes aduaneiros, tanto as Guias de Recolhimento, como Guias de exoneração de pagamento do ICMS, por eles preenchidas, correm o risco de ser recusadas, sob a alegação de que a palavra "importação" não é expressamente mencionada na norma que direciona o benefício para "operações" ou  "operações internas".

Isso não obstante, a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda há muito vem se manifestando sobre o assunto, de modo a dirimir quaisquer dúvidas a respeito (Respostas às Consultas nº s 1.202/92, 109/93 e 838/00).

Com efeito, na resposta à Consulta 838/00 encontramos : "Conquanto o dispositivo sob exame mencione somente as operações internas em seu caput, temos entendido que o termo "operações" abrange tanto saídas quanto entradas, incluindo aquelas decorrentes de importação, e o termo qualificativo "internas" indica as situações em que, cumulativamente, o fato gerador ocorre nos limites deste Estado, seja por contingência geográfica ou por atribuição legal, e o destinatário da mercadoria se localiza em território paulista". (destacamos)

Nosso contato diuturno com despachantes aduaneiros, para solver questões resultantes do entrechoque entre a legislação do ICMS e a legislação aduaneira, nos mostra que a polêmica ora comentada ainda persiste.

2. A perda do benefício  devido a alteração da classificação   fiscal da mercadoria    

Um sem-número de alterações no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (SH) a partir de 01/01/2007 provocou  mudanças  na Nomenclatura Comum do Mercosul e TEC.  Seu propósito: simplificar práticas comerciais. Ótimo para "traders", mas um pesadelo para os despachantes e outros técnicos do comércio exterior. 

 De início o SH  foi pouco adotado pelo legislador estadual. Com efeito, tanto nas listas de benefícios fiscais do regulamento do velho ICM (em vigor na década de 80) como no do ICMS (a partir de 1991) os produtos eram de preferência  designados por suas denominações.

Ao longo da década de 90 o SH passou a ser adotado em listas anexas aos Convênios aprovados pelo  CONFAZ (como o Convênio ICMS 52/91),  ou  por dispositivos infra-regulamentares do Estado, tal como a Resolução SF 04/98  já comentados.

Mas os constantes ajustes promovidos à Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) provocaram uma indagação: a alteração da classificação fiscal de produto  objeto de benefício fiscal acarretaria a perda desse benefício, na medida em que o novo código não figure na lista de bens  beneficiados ?  

 A questão foi levada ao CONFAZ, onde os Estados entenderam a necessidade de dar um basta ao impasse, aprovando o CONVÊNIO ICMS 117/96.

            E assim dispôs o referido convênio que:

"considerando que as alterações procedidas nos códigos da NBM/SH visam aprimorar a classificação das mercadorias;

considerando que os acordos visam atingir as mercadorias enquadradas nos códigos por ocasião da sua celebração;

considerando a necessidade de esclarecer o contribuinte, para que corretamente possa cumprir suas obrigações tributárias, resolvem celebrar o seguinte CONVÊNIO. Os Estados  ...  firmam entendimento no sentido de que as reclassificações, agrupamentos e desdobramentos de códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias/Sistema Harmonizado - NBM/SH não implicam mudanças quanto ao tratamento tributário dispensado pelos Convênios e Protocolos ICM/ICMS em relação às mercadorias e bens classificadas nos referidos códigos. " 

Obviamente esse entendimento vale para todos os Estados. No RICMS/SP o artigo 606 assimilou e ampliou seu alcance para abranger disposições infra-regulamentares, para tanto foi substituída a expressão "convênios e protocolos" por  "legislação":

"Artigo 606 - As reclassificações, agrupamentos e desdobramentos de códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH não implicam mudanças no tratamento tributário dispensado pela legislação às mercadorias e bens classificados nos correspondentes códigos (Convênio ICMS-117/96)."

Conclui-se, portanto, que o benefício fiscal é destinado às mercadorias que integram as listagens e não às classificações fiscais que originariamente as designava, de sorte que a alteração do código destas não altera o gozo do benefício.

Entretanto, passados mais de 10 anos e pelo fato de a Fiscalização paulista ainda hesitar quanto a adoção desse entendimento, a Decisão Normativa 04/08 trouxe a seguinte disposição:

"B.2 - o artigo 606 do RICMS/00 cuidou para que não fosse necessário alterar a legislação do ICMS quando um produto passasse a ter outra classificação fiscal, ao dispor que 'as reclassificações, agrupamentos e desdobramentos de códigos da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado - NBM/SH não implicam mudanças no tratamento tributário dispensado pela legislação às mercadorias e bens classificados nos correspondentes códigos'"

Ante o exposto, ao se defrontar com a Fiscalização cumpre ao contribuinte ou importador (ou o despachante deste) ter à mão a referida diretriz e estar preparado para  provar que o bem que está sendo adquirido, muito embora seja classificado atualmente em posição que não figura nas listagens dos produtos beneficiados, ainda assim goza do benefício, na medida em que sua anterior classificação ali figurava,  já tendo sido, portanto, objeto de beneficio do ICMS na  versão da antiga classificação fiscal.

Desse entendimento se extrai a conclusão de que o benefício fiscal é destinado  aos produtos  listados e não às suas classificações fiscais.

3. A  limitação do benefício em função do  destino ou da vocação da mercadoria

 Em 1.999 lançamos o livro GUIA DO ICMS NO COMÉRCIO EXTERIOR, contendo legislação estadual e federal de importação e exportação, além de respostas publicadas da Consultoria Tributária (não é propaganda, até porque o mesmo encontra-se esgotado). O fato é que ali reproduzimos as seguintes respostas de Consulta, (uma delas de nossa autoria), versando sobre a aplicação do Convênio ICMS 52/91: consultas  nºs   94/92; 98/92; 272/92; 335/92;327/93 e 321/94.

Acresce dizer que essas respostas foram extraídas do  Boletim Tributário da Secretaria da Fazenda e não foram formalmente substituídas por outras, nos termos do Artigo 107 da Lei  nº 6.374/89, ou seja, suas conclusões ainda prevalecem.

Pois bem, em nenhuma dessas manifestações a Consultoria Tributária  expôs o entendimento de que o benefício da redução da base de cálculo tinha  sua aplicação restrita exclusivamente  aos bens destinados a compor a equipagem da linha de produção industrial ou submeter-se ao processo de industrialização.

É que esse entendimento surgiu, sem maiores justificativas e argumentações, há  alguns anos, extensivo também aos casos de redução da alíquota prevista no artigo 54, V do RICMS e Resolução SF-4/98.

Vamos encontrá-lo, por exemplo,  no "esclarecimento" trazido no item 4 da resposta à Consulta nº 30/2004 daquele órgão consultivo:

"4. Esclarecemos, ainda, que:

4.1. os produtos constantes no Anexo I da Resolução SF-4/98 e no Anexo I do Convênio ICMS-52/91 devem, desde a sua origem de produção, ter por finalidade o uso industrial;" (g.n.)

Trata-se, como se pode constatar, de lacônica manifestação, desprovida  que qualquer  fundamentação que justifique o novel entendimento.

Idêntico  laconismo encontramos na Decisão Normativa nº 04/08 :

"D - Por oportuno, esclarece-se que a alíquota interna de 12%, prevista no artigo 54, V, do RICMS/00 e Resolução SF- 4/98, Anexo I, aplica-se apenas aos centrifugadores, classificados no código 8421.19.90 da NBM/SH, que se caracterizem como máquinas, aparelhos ou equipamentos industriais, destinados, desde a sua origem de produção, ao uso industrial."  (g.n.)

 Esse posicionamento também foi adotado pela Fiscalização, que, não reconhecendo o direito ao gozo do benefício, passou a  autuar tanto importadores não industriais (comerciantes e prestadores de serviço) como os industriais importadores, em operações com produtos  cujo destino (não obstante integrem a lista de produtos que o legislador quis beneficiar), é não integrar, desde logo, processo de industrialização ou incorporar-se a equipamento da linha de produção, quando, por exemplo, são importados com o fim de revenda.

 A Consultoria Tributária e a Fiscalização da Secretaria da Fazenda/SP  parecem desconhecer que o Convênio ICMS 52/91, pelo seu texto, pode ser extensivo a operações em geral (saídas internas ou interestaduais e importações) envolvendo  destinatários de qualquer natureza inclusive consumidor ou usuário final, não-contribuinte do ICMS.  Exemplos: equipamentos destinados a construtoras; partes e peças de manutenção dos mesmos e de veículos fabricados com produtos similares.

Tomemos um caso concreto, discutido em classe, narrado por  advogada de indústria de bens de capital, que fornecia sistemas de ventilação para  trens, que foi autuada porque a Fiscalização entendeu não ter direito ao benefício. A operação envolveu a saída interna de filtros da classificação fiscal  8421.29.90,  que  figura no Anexo I do Convênio ICMS 52/91 e está prevista no item I,  em seguida ao item 43.05,  ali incluída pelo Convênio ICMS 74/96. Também é encontrada no item 76 do Anexo I da Resolução SF. 04/98.

Por outro lado, observe-se que essa mesma classificação fiscal  - NCM 8421.29.90 - beneficiada pela redução, abrange tanto os filtros utilizados pelas indústrias, como os filtros utilizados nos automóveis, e, por essa razão podem ser  adquiridos pelos seus proprietários diretamente das respectivas  revendedoras ou lojas de auto peças.

 O Convênio não faz qualquer distinção na aplicação do benefício,  tanto na saída do filtro de seu fabricante, adquirido por sua rede de  revendedoras, quanto pelo atacadista de auto peças, e, também,  na saída desses contribuintes, quando  adquirido pelo proprietário do veículo .

 Outra hipótese bastante sintomática: se o benefício trazido pelo convênio é aplicável somente a equipamentos de uso industrial como quer o Fisco/SP, por que na própria lista constam itens que não têm natureza de equipamentos industriais,  como é o caso de mancal de bronze para locomotiva  (NCM 8607.19.19), o qual, nitidamente, não tem  característica de equipamento de uso industrial. 

Ora, nenhuma disposição que estabeleça condições para o gozo dos benefícios fiscais é encontrada no Artigo 12 do Anexo II e Artigo 54, inciso V do RICMS/SP. E não é sem razão que nenhuma restrição foi levantada nas manifestações da Consultoria Tributária atrás referidas, surgidas desde a edição das referidas normas. O entendimento dos agentes do Fisco situa-se, pois, além da norma, ao levantarem óbices e empecilhos que ela não traz. 

O legislador limitou-se a listar os produtos beneficiários da redução da alíquota ou da base de cálculo. Não apresentou quaisquer condições relacionada  ao gozo do benefício.

Se, no Artigo 54, V o legislador limitou os casos de redução da alíquota às operações internas (saídas internas e importações), no Artigo 12 do Anexo II, expandiu a aplicação do benefício da redução da base de cálculo para todas as operações (saídas internas, interestaduais e importações), adequando as respectivas cargas tributárias (8,80% ou 5,60%) em consonância com as destinações e natureza do produto industrial ou agrícola.  Em nenhum dispositivo condicionou o gozo do benefício ao  destino ou à vocação da mercadoria.

Sendo assim, os produtos listados podem ser destinados:

i)  a integração ao ativo imobilizado do importador ou de adquirente no mercado interno (sejam eles  industriais ou prestadores de serviço), ou ao patrimônio do usuário final não-contribuinte do imposto, ou

ii) ao  estoque de comerciante ou de industrial, que os tenha adquirido no mercado interno para fins de revenda ou os tenha importado do exterior, para revenda no mercado interno.

 Concluindo: todos os produtos listados, a que se referem os dispositivos atrás aludidos, são objeto de benefícios fiscais outorgados  pelo legislador independentemente do destino desses produtos. E onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.

 

Elaborado por:

Antonio Carlos Valim de Camargo - Advogado, graduado em Direito pela USP, especialista em Direito Tributário pela PUC. Fiscal de Rendas aposentado, tendo integrado a Consultoria Tributária da Sec. da Fazenda. Instrutor de cursos pela FISCOSoft

E-mail: valimdecamargo@gmail.com


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